Em 2022, os dados do 16º Anuário de Brasileiro de Segurança Pública apontam aumento nos índices de violência contra mulheres em todo país. São considerados pelo levantamento agressões por violência doméstica, ameaças e medidas protetivas de urgência concedidas.
Em combate à violência contra mulher, neste dia 25 de novembro, é celebrado o Dia Laranja ou Dia da Eliminação da Violência Contra Mulher, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em homenagem às irmãs Patria, María Teresa e Minerva Maribal, que foram violentamente torturadas e assassinadas em 1960.
A Campanha de 21 dias pela eliminação da violência contra mulher é mundial e marcada por ações educativas de diálogo com a sociedade civil, homens, mulheres e crianças sobre os riscos que mulheres, idosas e meninas correm diariamente.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é considerado violência contra mulher, todo ato de violência baseado no gênero que tem, como consequência, o dano físico, sexual, psicológico, incluindo ameaças, coerção e privação arbitrária da liberdade, seja na vida pública seja na vida privada.
Cerca de 125 países do mundo inteiro têm leis específicas de proteção à mulher, sendo a legislação brasileira, a Lei Maria da Penha, considerada uma das três mais avançadas do mundo. As mulheres em situação de violência devem buscar atendimento nas Casas da Mulher Brasileira e Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Em virtude da data, a advogada e a Profa. Ma. Alda Fernanda Bayma, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa OAB-MA e coordenadora Acadêmica da Comissão de Famílias OAB-MA, comenta o ponto vista jurídico do combate à violência contra mulher no Brasil.
“Existe, na realidade, uma ausência de recursos humanos que seja eficiente para fiscalizar e, inclusive, para oferecer as ferramentas básicas que toda mulher que é vítima de violência doméstica, precisa”, enfatizou.
A Lei Maria da Penha é considerada como uma das leis de proteção à mulher mais avançadas do mundo, porém o Brasil continua como um dos 10 países com maior número de homicídios de mulheres. Por que os índices não correspondem ao avanço legislativo?
Temos, sim, um avanço legislativo significativo em decorrência dos mecanismos que foram oferecidos pela Lei Maria da Penha. Contudo, a Lei Maria da Penha, para que ela seja efetiva, ela necessita de políticas públicas e instituições do Sistema de Justiça que sejam capazes de dar um acolhimento a essa mulher, vítima de violência doméstica, uma proteção, não apenas em relação às violências físicas e psicológicas perpetradas, mas também em relação a uma possível violência patrimonial.
A realidade é que, a porta de entrada deste atendimento, que seria a delegacia especializada, não fornece às mulheres o acolhimento naquele ambiente e elas acabam sendo vitimizadas. Fora o aspecto da delegacia, nós temos também a morosidade do Poder Judiciário via as ações penais que são oferecidas com o objetivo de punir esse agressor. Muitas vezes essas ações prescrevem. E se têm a sensação de que? De impunidade! Mulheres que são vítimas de violência doméstica desistem de uma segunda oportunidade de oferecer denúncia contra o seu agressor. Por que? Sistema de Justiça que são morosos, que não oferecem uma proteção adequada, que não oferecem, no caso das mulheres que possuem independência econômico financeira, uma resposta célere do Poder Judiciário com o fito de fixar alimentos. E essas mulheres se veem, infelizmente, fragilizadas dentro desse processo. Isso vai fortalecendo os homens que praticam essas violências e que saem impunes. E reflete no aumento dos índices. Então, hoje, muitos dos homens que agridem mulheres, seja psicologicamente, seja fisicamente ou patrimonialmente, a sensação que elas possuem, muitas vezes é de que? De impunidade. E esses homens, inclusive, se veem dentro dessa esfera e impelidos a tirar a vida da mulher. Por que? Porque sabem que o sistema de justiça é moroso. Existe, na realidade, uma ausência de recursos humanos que seja eficiente para fiscalizar e, inclusive, para oferecer as ferramentas básicas que toda mulher que é vítima de violência doméstica precisa.
A violência contra mulher atinge níveis para além da agressão física, psicológica e patrimonial. Quais mecanismos o Estado tem para assegurar a equidade de gênero?
Quando nós falamos no Estado, nós temos que pensar no Estado de uma forma geral, a partir da tripartição de poderes: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, atuando de forma conjunta a fazer prevalecer uma equidade de gênero. Então, nós temos a necessidade de uma série de políticas públicas, por exemplo, no âmbito laboral, que busquem oferecer as mesmas condições de trabalho e de salário para mulheres que ocupam os mesmos cargos dos homens. Porque é nítido e os estudos comprovam que as mulheres trabalham mais e ganham menos. Não por uma ausência de qualificação, não por uma ausência de requisitos, mas pela sociedade eminentemente machista e patriarcal que agrega à figura do homem, qualificações em detrimento da figura tão somente do sexo feminino. Então, o que nós temos que fazer, na realidade, é construir a partir do Poder Legislativo, uma série de leis visando o atendimento de políticas públicas de equidade de gênero e que tenham por um único objetivo que a mulher esteja em condições de igualdade quando concorre com os homens, porque não é isso que acontece na presente situação. Então, por exemplo, nós já temos aí a necessidade do preenchimento de uma cota feminina para o acesso a cargos políticos. Então, já existe essa obrigatoriedade. Isso é uma política que visa promover a equidade de gênero.
Precisamos de políticas públicas que promovam a equidade de gênero em todos os espaços, desde a perspectiva de ingresso de mulheres perante o Poder Judiciário, nos cargos de juízas, de desembargadoras, para que nós tenhamos vozes femininas também no judiciário maranhense, onde as mulheres estão em franca desvantagem em números quando comparados aos homens. Então, a realidade que se impõe são de políticas públicas, são de leis construídas pelo Poder Legislativo e a necessidade de uma equidade de gênero nas decisões oriundas do Poder Judiciário, que muitas vezes, são misóginas. Põem e taxam a mulher ou delegam à mulher papéis de subordinação e, inclusive, de desqualificação profissional. É realmente algo que a sociedade hoje ela precisa combater. E nós precisamos alçar as nossas vozes nesse sentido.
Em países como Argentina, a função social da maternidade foi reconhecida e os cuidados com os filhos passaram a ser considerados na contagem do tempo de serviço para a aposentadoria das mulheres. Esta é uma medida que busca dissolver a desigualdade de gênero. Há possibilidade da legislação brasileira caminhar neste sentido?
Não é uma possibilidade de forma alguma ser descartada. Pelo contrário, se nós formos ver inclusive a própria legislação, ela já concede benefícios a empresas que dão uma maior licença maternidade para as mães que vão gerar ou que vão dar à luz aos seus filhos, ou mesmo nos processos de adoção. Então, essa é uma possibilidade plenamente viável e se coaduna às novas perspectivas impostas pela própria dinâmica do poder familiar. Então, quando a gente vai trabalhar essa perspectiva, é plenamente viável que, haja sim, essa contagem do tempo para efeito de aposentadoria da mulher. Não, isso não significa dizer que em 100% das famílias, mas na grande maioria delas, as mães assumem uma tripla jornada de trabalho, tanto em relação aos deveres pagos com os seus filhos, mas também como elas terão que entrar e que contribuir também em situação de igualdade para a sobrevivência, para guarnecer os seus filhos dos bens materiais e emocionais afetivos que são necessários. É algo a ser pensado de fato. E essa implementação é, se nós formos ver hoje a legislação, ela já dá alguns benefícios para empresas que concedem aí um maior lapso temporal a título de licença maternidade. Então, por que não se contar esse tempo de serviço de labor com os filhos para efeito de aposentadoria? Acho que essa é uma discussão que tem que adentrar aí nos corredores do Poder Legislativo para de fato ser um direito daquelas mulheres que realmente estão submetidas a essa tripla jornada de trabalho, que são mães, que são trabalhadoras, que saem de casa pela manhã e só voltam à noite. Então, realmente a gente tem que pensar a partir dessa perspectiva.