Na nossa terceira entrevista da série “Na Linha de Frente”, trazemos o depoimento de Fábio Antônio de Jesus Marinho, aluno do 3º período do curso de Enfermagem da Faculdade Florence, que nos conta um pouco da sua desgastante rotina de trabalho no enfrentamento à Covid-19 no estado do Maranhão. Ele, assim como os demais profissionais da área da saúde, não pôde permanecer em casa para esperar a pandemia do coronavírus passar.
Conheça agora um pouco da história desse profissional que, mesmo diante da tristeza que sentiu em diversas ocasiões, continuou fazendo seu trabalho, motivado pela vontade de ajudar à população e contribuir com o tratamento dos pacientes de Covid da sua região. Atualmente, Fábio trabalha no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), como técnico de enfermagem, e na empresa Lefe Emergências Médicas, que presta serviço ao estado, como condutor de ambulância para o Hospital HCI, referência em tratamento de Covid-19.
Faculdade Florence – Para você, qual o significado de estar trabalhando na linha de frente da Covid no Maranhão?
Para mim, tem grande significado poder contribuir de forma positiva, ajudando no atendimento as vítimas da Covid-19, levando esperança e informação aos que, neste momento, tanto temem ir a um atendimento hospitalar. Por causa disso, agravou significativamente o quadro de milhares de pessoas, que gerou mais complicações, chegando ao triste fato de evoluir para óbitos. De forma avassaladora, muitos entes queridos foram retirados de muitas famílias, deixando muita tristeza.
Faculdade Florence – Neste período você acompanhou alguém que entrou doente de covid e saiu curado?
Sim. Em um atendimento pelo Samu em uma residência, eu e meu companheiro de equipe, Borges, nos deparamos com um paciente que tinha grandes chances de agravar, João (nome fictício), de 38 anos, com obesidade mórbida, com aproximadamente 450kg. Encontramos ele sentado ao sofá da sala, lúcido, dispneico, com cianose de extremidades, saturando 70% em ar ambiente. Ofertamos uma máscara concentradora a 6 litros de O2, inicialmente, que foi utilizado durante todo o atendimento, que durou das 11h30 da manhã até as 18h50. Usamos um cilindro de O2 grande e cinco pequenos, fizemos várias tentativas de removê-lo até a ambulância, chegamos à porta da residência, no terraço, onde colocamos o sofá da sala para que ele descansasse, chamamos os Bombeiros e também não foi possível, ele próprio despachou a unidade dos Bombeiros, ficando somente o Samu, porém ele nos mandou embora. Eu olhei para ele e disse: ‘cara, eu não vou te deixar. Chamei então a Unidade de Suporte Avançado (USA), uma ambulância que é tripulada por uma equipe de resgate completa: médico, enfermeiro, técnico e condutor socorrista (motorista), para que o médico o avaliasse, como já havia sido constatado, ele não poderia ficar em casa, senão ele morreria. Ele declarou também a todos os familiares e equipes presentes que não iria conseguir e desistiu de tudo. Ele não queria ir, mas, em acordo com o médico, decidimos pedir a outras equipes que se deslocassem para a residência e que trouxessem a VIR (veículo de intervenção rápido) que opera em um S10. Assim, ele foi removido, na carroceria desta camionete, claro que com improviso, porém com segurança e o conforto que pudemos ofertar no momento. No total, foram utilizadas quatro equipes de ambulância, as duas motolâncias, a VIR, o pessoal Auxiliar Operacional de Serviços Diversos (AOSD) e somados à solidariedade de todos, a Regulação Médica que, se dedicou a conseguir um leito em UTI mais próximo possível de sua residência. Fiquei acompanhando a evolução do mesmo através de informações passadas por colegas do hospital em que ficou internado. Para surpresa de todos, com aproximadamente 60 dias, o mesmo teve alta hospitalar, para honra e glória do Senhor Jesus. É muito gratificante ver o bom resultado do nosso esforço. Agradeço a DEUS todos os dias pela vida, sabedoria, discernimento e agilidade que nos dá!
Faculdade Florence – E alguém que entrou doente e não resistiu? Se sim, o que sentiu quando soube da notícia?
Sim, também vivenciei. A sensação é de tristeza, de impotência, mas foge à sua vontade e poder de decisão. Logo você pensa em quem ficou, o sofrimento da família…, no entanto pensa também no sofrimento daquele ser que estava acometido pela Covid-19. São lados distintos, ambos em sofrimento…
Faculdade Florence – Você pode dizer que essa pandemia provocou mudanças em você? Em que aspectos?
Sim, provocou mudanças. Outrora já valorizava os momentos com a família, agora, mais ainda, diante desta pandemia, todos somos iguais, sem diferenças.
Faculdade Florence – E nos outros? Você percebeu se as pessoas melhoraram ou pioraram?
As pessoas estão vivendo como se não tivesse acontecido nada, na maioria dos bairros da cidade. Você presencia uma população sem restrições, todos à vontade, bares, pizzarias, praias, lanchonetes, supermercados, feiras, enfim, todos os ambientes lotados e na grande maioria das vezes, você observa a população sem o uso da máscara. O risco de novo contágio é eminente, isto é fato, e a população nas ruas, agindo normalmente…